sexta-feira, janeiro 22, 2010

A VISÃO VEDICA DO YOGA, por Miguel Homem


O Yoga tornou-se popular. Hoje em dia quase todos já ouviram falar de Yoga, a maior parte das vezes associado a posições contorcionistas de um artista de circo.

Nem sempre a comunicação social ajuda a transmitir o que seja o Yoga e, verdade seja dita, nem sempre aqueles que se dedicam ao seu ensino ou prática perceberam verdadeiramente a que almeja o Yoga.

A observação da realidade mostra-nos que todos os seres humanos estão envolvidos em diferentes tipos de busca nas suas vidas. Desde a infância vemos a criança esforçar-se para conseguir algo, primeiro a comida, depois brinquedos e em adulto continua esse esforço em direcção a brinquedos maiores, a casa, carro e outros objectos. Percebemos ainda que mesmo havendo um padrão de busca comum, pessoas diferentes perseguem coisas diferentes.

Dir-se-á que, à primeira vista, existem tantas buscas quantos seres humanos. No entanto, mesmo quando parecem diferentes, se analisarmos, percebemos que em todas elas há algo em comum que todos buscam de forma uniforme: essa coisa comum é a aquisição de alegria, felicidade (sukha prápti).

Uma pessoa pensa que felicidade existe na forma de ter uma casa e família, outra julga que é ter muito dinheiro, outra ser famoso, alguns procuram na música, etc. Mesmo sendo externamente diferentes em todas essas buscas cada um de nós só procura paz, conforto e felicidade. Não só todas as pessoas, mas todos os seres buscam a felicidade (sukha práptaye pravrttih). Vemos também que, por vezes, o esforço é para se libertar de algo, como numa visita ao médico em que nos queremos libertar da dor ou doença, ou ainda com qualquer objecto, quando queremos vender uma casa. Assim, a perseguição não é só de felicidade (sukham), mas também da libertação do sofrimento.

É então claro que toda a busca humana é no sentido de conseguir algo ou libertar-se de algo. Por trás de toda a conquista (coisas, relações) apenas procuramos felicidade (sukham pravrttih). Mesmo quando o que queremos é libertar-nos de coisas, objectos, relações, o que procuramos e essencialmente o mesmo. Quando nos queremos desfazer da tv antiga, é porque vemos infelicidade (duhkham) na tv – duhkham nivrttih.

Prosseguindo a nossa análise, compreendemos que queremos felicidade (sukham), sem qualquer mistura de sofrimento (duhkham). Queremos ser felizes sem qualquer perturbação. Todos procuram felicidade purakevalam sukham. Mas não queremos só felicidade pura. Por quanto tempo queremos felicidade? Em que dia, a que horas? Percebemos que não só queremos felicidade pura, mas queremos felicidade permanente (nityam sukham). E depois de a alcançarmos o esforço e a busca não acabam. Agora trabalhamos também para a manter. E por fim, queremos felicidade de uma ordem que não possa ser aumentada ou melhorada. A geração dos meus pais começou por ter uma Tv a preto e branco, depois veio a tv a cores, a seguir a tv plasma e qualquer dia a tv a 3 dimensões. Queremos sempre mais. Queremos o máximo de felicidade, (niradishayam sukham), mas só o infinito não pode ser melhorado e aumentado.

Ou seja, queremos felicidade infinita em quantidade, em qualidade e em duração. A questão seguinte é: somos bem sucedidos neste esforço? Em crianças começámos esta luta e continuamos... alguém no momento da morte afirma estar tudo bem? Não querer mais nada? Não! Continuamos com o sentimento de falta, de carência de algo. Algumas pessoas reconhecem este problema cedo, mas a maioria, continua a perseguição e morre perseguindo sem perceber que o problema foi mal diagnosticado.

As escrituras do Yoga e o ensinamento do Yoga discutem este problema fundamental, e segundo elas, de facto, não estamos a conseguir ter sucesso nesta busca, mas mais, nunca teremos sucesso. Enquanto nos esforçarmos para alcançar felicidade permanente (nitya ánandah) nunca o conseguiremos. E não o conseguiremos porque a abordagem ao problema está errada.

Vamos imaginar que estamos no meio da natureza e decidimos fazer um chá para aquecer enquanto apreciamos a natureza. Acendemos uma lareira, criamos uma estrutura própria para o efeito e aquecemos um pote de água. Naturalmente o pote aquece e depois aquece a água. Agora pergunto porque está a água quente? A água que normalmente é fria, adquire uma nova propriedade em contacto com o tacho que é quente, e torna-se quente. Porque está a água quente? Porque está o tacho quente? Por estar em contacto com o fogo. E porque está o fogo quente? Porque é fogo, porque é a sua natureza intrínseca. Seria o mesmo que perguntar porque é o gelo frio ou o açúcar doce. O tacho está quente porque empresta essa característica do fogo, é um atributo incidental. Da mesma forma, o calor na água é um atributo incidental. Assim, reconhecemos dois tipos de atributos, intrínsecos e incidentais. Se analisarmos mais profundamente descobrimos que a água tem o seu calor emprestado do fogo, percebemos que o calor na água é um atributo dependente, enquanto o calor do fogo sendo intrínseco, é um atributo independente. Uma vez que o calor no fogo é intrínseco e independente, mesmo que removamos o tacho e a água, o calor permanece, com ou sem tacho, de manhã ou de tarde, na Índia ou no Japão, em qualquer tempo, espaço ou condição, kála, desha, avasthá. Assim a natureza intrínseca é sempre uma propriedade permanente. Por outro lado, a água é quente por causa do fogo. Quando o fogo é afastado, o calor desaparece. O atributo incidental é dependente e por isso também impermanente.

Retomemos agora a nossa busca original. Em que é que estamos interessados? Felicidade (sukham ánandah). E que tipo de felicidade queremos? Permanente. E o que fazemos? Trabalhamos para conseguir felicidade ajustando as condições externas, ao adquirir coisas e relações novas. Quando conseguimos felicidade do mundo exterior, essa felicidade pertence a que categoria? Incidental, dependente, impermanente ou intrínseca, independente e permanente? Música, objectos, relações, se conseguimos alguma felicidade do exterior, ela é emprestada e incidental, dependente e impermanente. Assim, se a conseguimos, é certo que a vamos perder também. Esforçar-se para conseguir felicidade permanente (nitya ánanda) é uma contradição em termos. Porque se a conseguimos ela e incidental, e se é incidental ela é dependente e por isso impermanente. Não podemos esperar do mundo felicidade permanente.

Perguntar-se-á então o que fazer? Se existe felicidade permanente (nitya sukham) não pode ser conquistada, porque se é permanente (nityam) não depende de outros factores e tem de ser a minha natureza intrínseca. Só se descobrir a felicidade (ánanda) como sendo a minha verdadeira natureza, só então, poderei esperar ser permanentemente feliz – Svarúpa ánandah eva nitya ánandah.

A questão é que esta visão é difícil de aceitar, porque não é essa a nossa experiência e o simples facto de buscarmos parece negá-lo. Não fosse assim, porque buscaria? Ou porque não tenho o que procuro ou porque ignoro que não tenho. A verdade é que procuramos a felicidade porque não a reconhecemos em nós, somos ignorantes dela. Se este facto não é conhecido, e se continuamos a persegui-lo, o que fazer? A solução não é adquirir (pravrtti) nem ver-se livre (nivrtti), mas conhecimento (jñánam), conhecermos quem somos, quem é este Eu auto-evidente. A solução é auto-conhecimento (átmá vidya, svarúpa jñánam).

Sobre este tema versa o ensinamento do Yoga, conforme foi discutido na parte final dos Vedas, chamada Upanishads. No Yoga encontramos o ensinamento, a preparação para ele e os meios para que esta compreensão e visão se estabeleçam.


Miguel Homem é professor de Yoga no Porto. Edita o site www.dharmabindu.com
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